Sexismo e políticas linguísticas de gênero

MÄDER, Guilherme Ribeiro Colaço; SEVERO, Cristine Gorski;

Resumo:

Seria possível modificar deliberadamente as estruturas gramaticais de uma língua de modo a torná-la menos sexista e mais igualitária? Os estudos linguísticos sobre a variabilidade das línguas sugerem-nos que, quanto mais próximo do seu polo lexical, mais maleável é uma língua, e quanto mais próximo do seu polo gramatical, mais rígida ela é. Em outros termos, enquanto o léxico (nomes, verbos e adjetivos) pode ser objeto de alterações planejadas (como em neologismos), a gramática seria muito mais “inviolável”, não permitindo modificações voluntárias por parte dos seus usuários. Dessa maneira, ao passo que o léxico estaria de certa maneira acessível à consciência dos falantes, a gramática estaria confinada nos limites do inconsciente ou, em outros termos, estaria menos sensível à apreciação social. Neste capítulo, partimos da hipótese de que alterações planejadas na gramática de uma língua, apesar de improváveis, não são impossíveis, e podem vir a ser implementadas se já houver entre os falantes uma certa receptividade em relação a tal alteração e se a mudança gramatical planejada se ajustar a uma mudança sociocultural já em andamento. Assim, relativizaremos a ideia de uma certa rigidez gramatical diante de esforços de se evitar traços sexistas na marcação linguística de gênero. As evidências de uma possível mudança, ou pelo menos variação, para o nosso contexto, são o uso, em algumas comunidades de fala, de construções sintáticas empregadas para evitar o masculino genérico e a alteração da morfologia de algumas palavras a fim de evitar a escolha entre gênero gramatical masculino ou feminino.Uma mudança gramatical com o objetivo de eliminar marcas sexistas da língua seria, por exemplo, a não utilização do gênero gramatical masculino para a referência a homens e mulheres (masculino genérico), e uma mudança ainda mais radical seria a criação de um outro gênero gramatical para pessoas que não se identificam nem com o masculino nem com o feminino. A discussão que já vem de muito tempo sobre o uso do masculino genérico e toda a polêmica que este tema suscita sempre que há alguma iniciativa de escolha de expressões que visibilizem o gênero feminino (vide a polêmica presidente/presidenta), ou que ultrapassem o binarismo masculino/feminino, e a subsequente reação por parte de linguistas e gramáticos que argumentam que o masculino é o gênero não marcado (e que, portanto, não haveria sexismo na gramática), justificam a pesquisa sobre essas tentativas de alterações gramaticais para tornar uma língua menos sexista.

0:

Palavras-chave: ,

DOI: 10.5151/9788580391466-12

Referências bibliográficas
  • ALCKMIN, G. Miriam Leitão entrevista Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, 11 jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2016.
    BARON, D. The epicene pronoun: the word that failed. American Speech, Tuscaloosa, v. 56, n. 2, p. 83, 1981.
    ______. The gender-neutral pronoun: 150 years later, still an epic fail. OUPblog, 26 ago. 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2013
    BECQUER, A. Femme, j’écris ton nom: guide d’aide à la féminisation des noms des métiers, titres, grades et fonctions. Paris: Documentation française, 1999.
    BIRON, M. Au féminin: guide de féminisation des titres de fonction et des textes. Québec: Office de la Langue Française, 1991.
    BRASIL. 2.749. Lei nº 2.749, de 2 de abril de 1956. Dá norma ao gênero dos nomes designativos das funções públicas. 2 abr. 1956.
    ______. 12.605. Lei nº 12.605, de 3 de abril de 2012. Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas. 3 abr. 2012.
    CROFT, W.; CRUSE, D. A. Cognitive linguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
    ECKERT, Penelope. Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, n. 41, p. 87-100, 2012.
    ELROD, E. Give us a gender neutral pronoun, Yo!: the need for and creation of a gender neutral, singular, third person, personal pronoun. Undergraduate Honors Theses, 1º mai. 2014.
    ENGELBERG, M. The communication of gender in Finnish. In: HELLINGER, M.; BUßMANN, H. (Eds.). Gender across languages: the linguistic representation of women and men. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2003, v. 2, p. 109-32.
    GADELLI, K. E.; HYLÉN, I. Un pronom neutre: hen en suédois. Langues et cité : Bulletin de l’Observatoire des pratiques linguistiques, Paris, n. 24, p. 6-7, out. 2013.
    HORNSCHEIDT, A. Linguistic and public attitudes towards gender in Swedish. In: HELLINGER, M.; BUßMANN, H. (Ed.). Gender across languages: the linguistic representation of women and men. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, v. 3, 2003, p. 339-68.
    JACOBSON, C. Non-sexist language - some notes on gender-neutral language. Purdue University, 1995. Disponível em: . Acesso em: 7 maio 2015.
    LANGACKER, R. Concept, image, and symbol: the cognitive basis of grammar. 2. ed. Berlin ; New York: Mouton de Gruyter, 2001.
    LE NOUVEL OBSERVATEUR. “Madame le président”: la sanction contre le député UMP confirmée. Disponível em: . Acesso em: 7 mai.2015.
    LENOBLE-PINSON, M.; MOREAU, M.-L.; WILMET, M. Mettre au féminin: guide de féminisation des noms de métier, fonction, grade ou titre. Bruxelas: Service de la langue française; Conseil superior de la langue française (Belgique), 1994.
    MACKAY, D. G.; FULKERSON, D. C. On the comprehension and production of pronouns. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, New York, v. 18, n. 6, p. 661-673, 1979.
    MIGNOLO, W. D. La idea de América Latina: la herida colonial y la opción decolononial. Barcelona: Gedisa Editorial, 2007.
    MOREAU, T. Dictionnaire féminin-masculin des professions, des titres et des fonctions. Genebra: Métropolis, 1991.
    NOACK, R. Sweden is about to add a gender-neutral pronoun to its official dictionary. The Washington Post, Washington, 1 abr. 2015.
    PULLUM, G. Sweden’s gender-neutral 3rd-person singular pronoun. Language Log, Philadelphia, mar. 2012. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2015
    SALGADO, M. P. C. Metodología de la investigación feminista. Guatemala: Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades, 2008.
    STOTKO, E. M.; TROYER, M. A New Gender-Neutral Pronoun in Baltimore, Maryland: A Preliminary Study. American Speech, v. 82, n. 3, p. 262-279, set. 2007.
    WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2006.
Como citar:

MÄDER, Guilherme Ribeiro Colaço; SEVERO, Cristine Gorski; "Sexismo e políticas linguísticas de gênero", p. 245 -260. In: Sociolinguística e Política Linguística: Olhares Contemporâneos. São Paulo: Blucher, 2016.
ISBN: 9788580391466, DOI 10.5151/9788580391466-12