Marcos legais da gestão da água
Magalhães Jr., Antônio Pereira
Resumo:
A Espanha é considerada um país pioneiro na gestão participativa de bacias hidrográficas. Desde os períodos de dominação romana (séculos II a. C. a V) e particularmente árabe (séculos VIII a XV), associações de irrigantes já se configuravam como instâncias colegiadas de decisão, como é o caso dos Tribunales de aguas de Valencia e Murcia. O Tribunal de las Aguas de la Veja de Valencia, constituído no primeiro século da Era Cristã, é considerado a instituição de justiça mais antiga da Europa, integrando representantes das comunidades de irrigantes da região da Huerta de Valencia no baixo rio Júcar. Por sua vez, o Consejo de Hombres Buenos de la Huerta de Murcia também possui origens medievais, sendo um tribunal de justiça ativo que integra representantes de irrigantes da região do baixo rio Segura. Ambos os tribunais funcionam com estrutura e sistemática semelhantes, em reuniões semanais nas quais se discutem e decidem questões de interesse dos irrigantes (CASALDUERO; VIQUEIRA, 2007).
As primeiras iniciativas sistemáticas de gestão de recursos hídricos na Espanha ocorreram no século XIX. As denominadas Cortes de Cádiz (Constituição de 1812) referendaram o caráter público dos aproveitamentos hidráulicos e intensificaram as preocupações políticas com respeito ao planejamento, à racionalização do uso da água e à sua institucionalização (SÁNCHEZ-MARTÍNEZ et al., 2011). A primeira lei de águas do país data de 03 de agosto de 1866 e foi o primeiro código regulador do setor no mundo. Esta lei buscou ordenar a utilização das águas continentais e marítimas do país, mas esteve em vigor somente por dois anos, sendo derrogada com o triunfo da revolução ultraliberal de 1868 (López-Martos, 2008). Porém, em 13 de junho de 1879, foi aprovada a denominada Ley Centenária del Agua, que esteve em vigor até 1985 e regulou o marco geral do domínio das águas terrestres. Esta lei configurou os principais traços do sistema espanhol de gestão da água durante o século XX e foi criticada por muitos especialistas por ter priorizado a execução de políticas hidráulicas seguindo a lógica das obras estruturais. Em termos de dominialidade, as águas superficiais e subaéreas foram determinadas como de domínio público, enquanto a maioria das águas subterrâneas poderiam ser propriedade de quem delas se apropriasse. Tal divisão dos processos de gestão das águas superficiais e subterrâneas comprometeu e atrasou a consideração destas últimas como parte integrante do ciclo hidrológico superficial.
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DOI: 10.5151/9788580392555-02
Como citar:
MAGALHÃES JR., Antônio Pereira; "Marcos legais da gestão da água", p. 31-54. A nova cultura de gestão da água no século XXI: lições da experiência espanhola: lições da experiência espanhola - Vol. 1. São Paulo: Blucher, 2017.
ISBN: 9788580392555, DOI 10.5151/9788580392555-02